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Em 17/03/2015

21 de Março: Dia Internacional da Síndrome de Down

Promotora de Justiça e mãe de Alice, Ana Galgane, fala sobre os desafios e conquistas da pessoa com Síndrome de Down

   Dia 21 de Março é o Dia Internacional da Síndrome de Down e temas relacionados à pessoa com a síndrome são discutidos em quase todo o mundo e já faz parte do calendário oficial de 193 países das Nações Unidas - ONU.  Dois temas de extrema importância para a pessoa com Síndrome de Down e para a família são: o exercício do direito pleno e igualitário enquanto cidadão e o papel das famílias.

  A inserção da criança com Síndrome de Down e a garantia de acesso à educação são desafios frequentes na vida de quem tem um filho com a síndrome. A Promotora de Justiça de Sergipe, Ana Galgane Paes, é mãe de uma menina de 10 anos e sabe os desafios que muitas famílias enfrentam para que seus filhos tenham os seus direitos respeitados.  Entrevistamos a Promotora que além de ser agente pública é mãe de uma criança com Síndrome de Down.

 

01-Neste dia onde a Síndrome de Down é lembrada em mais de 190 países, tem o que ser comemorado? Conquistas e avanços?

 

Há muito a ser comemorado! Se lembrarmos a evolução das práticas relacionadas à pessoas com síndrome de Down, desde a descoberta da síndrome até os dias atuais, concluiremos que os avanços foram enormes. Sem necessidade de lembrarmos neste momento o destino que historicamente era dado no passado às pessoas com deficiência, podemos dizer que avançamos da segregação à inclusão social, da ignorância ao exercício da cidadania, do desconhecimento à descoberta e avanços científicos e médicos sobre a síndrome. As pessoas com síndrome de Down eram privadas de viver uma vida plena, e foi através da luta das famílias e dedicação de muitos profissionais comprometidos que vemos nos dias de hoje pessoas com a síndrome vivendo com autonomia e independência, exercendo os seus direitos. Ainda temos muito a caminhar, seja sensibilizando a sociedade para a causa da pessoa com deficiência, seja vencendo preconceitos, dentro e fora da família, seja lutando pela inclusão e valorização dessas pessoas, pois as pessoas com deficiência devem ser vistas como parte da diversidade humana e não como problema a ser eliminado. Podemos dizer de forma mais concreta que os avanços podem ser observados na medida em que as pessoas com síndrome de Down e outras deficiências estão na escola, no trabalho, participando da vida. Não é fácil, inclusive de convencer famílias de que isso é possível.

 

 

02- Sobre o acesso a Educação, como a rede de ensino brasileira, seja ela pública ou particular, está recebendo o aluno com Síndrome de Down? Existe segregação? Como essa prática pode interferir no desenvolvimento do aluno especial?

 

Vamos começar do período em que não se acreditava na capacidade da pessoa com síndrome de Down e elas eram mantidas em casa como verdadeiros seres inúteis. Em seguida, veio o período das escolas especiais, criadas exclusivamente para pessoas com deficiência intelectual, que é o caso da síndrome de Down e que, muito embora tenha representado um avanço, não é mais uma prática admitida em virtude da segregação dessas pessoas, privando a todos de conviver com as diferenças, de cultivar valores como o respeito ao próximo, a solidariedade e o reconhecimento do valor humano. O fim das escolas especiais não significa a falta de um atendimento educacional especializado. Nos dias atuais o que vigora é a inclusão escolar (lembrando que já passamos pelo período da integração, mas que tem significado bastante distinto da inclusão). Ou seja, as escolas, sejam elas públicas ou particulares, são obrigadas a receber alunos com deficiência. Não obstante inadmissível tal prática nos dias atuais, muitas escolas têm recusado matrícula de alunos com síndrome de Down, sob os mais diversos argumentos, tais como “não estar preparada para receber o aluno”, “não ter vagas – quando as têm”, “já atingiu a cota de alunos com deficiência – não há limites estabelecido em lei”, etc. Essa, assim como outras condutas por parte da escola, é considerada criminosa. É preciso que esses fatos sejam levados ao conhecimento da autoridade policial e do Ministério Público para providências. Além da inclusão escolar, há outras questões de ordem pedagógica que precisam ser discutidas e debatidas. No entanto, posso afirmar que lugar de criança com síndrome de Down é na escola regular, não só por todos os benefícios que trazem ao seu desenvolvimento, como pelos benefícios trazidos para a sociedade que só cresce convivendo com as diferenças.

 

 

03- Ano passado a senhora participou de uma conferência que aconteceu durante a segunda edição do Projeto Aracaju Acessível. Lá foi discutida a Educação Inclusiva no Brasil. Mas em Sergipe, qual o cenário atual?

 

Participei do evento como espectadora, como tenho participado de diversos outros em outros Estados ao longo dos últimos dez anos, com o objetivo de me manter informada e atualizada no assunto, tanto em busca do desenvolvimento da minha filha, como com o objetivo de transmitir informações e ajudar outras famílias. Como disse, os avanços são consideráveis na área educacional, tanto no que diz respeito à legislação quanto às práticas inclusivas. Acredito que em Sergipe, com a luta e união dos pais, consigamos sensibilizar e conscientizar a sociedade da importância da educação inclusiva, mas ainda estamos muito aquém do desejável. 

 

04- Para a senhora a convivência da criança com Síndrome de Down com todas as crianças, sem diferença, ajuda em seu desenvolvimento? A senhora é mãe de uma menina de 10 anos, como é o relacionamento dela na escola com os colegas?

 

Todos somos diferentes. Aprendemos diariamente um com o outro, seja na convivência na família, na escola, com vizinhos, amigos ou com os demais. Conviver com pessoas com deficiência, como já disse nos ensina a valorizar o outro, a respeitar o próximo, a sermos solidários. É muito bonito e gratificante ver como minha filha, que está na escola regular desde os dois anos e meio de idade, é respeitada e querida por todos os coleguinhas. Preconceito? Acredito que é um vocábulo do dicionário do mundo adulto. É claro que hoje, aos 9, 10 anos os coleguinhas percebem a deficiência intelectual, percebem que Alice tem o tempo dela, um tempo mais lento na realização das tarefas e de outras atividades, mas nem por isso perdem o respeito ou a discriminam. Não só essa convivência ajuda no desenvolvimento das pessoas com síndrome de Down, mas considero de fundamental importância o amor da família, a valorização da autoestima, e acreditar que todos temos habilidades e capacidade.

 

05- No último dia 05 foi aprovado o Projeto da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência, PL 7699/06 , para a senhora a pessoa com Síndrome de Down será beneficiada com essa lei? 

 

O PL 7699/06 foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas retorna ao Senado por ter sido modificado. Certamente trará benefícios a todas as pessoas com deficiência, em diversos aspectos, pois trata do acesso ao transporte, à moradia, educação e trabalho.

A população com deficiência no Brasil tem crescido em virtude de vários fatores, como o crescimento da expectativa de vida e a violência urbana, sendo também o Brasil um dos poucos países que tem legislação específica, considerada ampla e avançada, no entanto continua com taxas elevadas de exclusão social das pessoas com deficiência. Portanto, não bastam leis, é necessário o exercício do conhecimento através do esforço de todos para que seja possível uma sociedade inclusiva, valendo lembrar que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 186/2008 e promulgada através do Decreto 6.949/2009, tem força de Emenda Constitucional, nos termos do artigo 5º, § 3º da Constituição Federal.

 

 

06- Como a senhora gostaria de lembrar a data de hoje?

Com alegria pelas conquistas alcançadas, observando que a importância da data e a sua celebração se deve não apenas por essas conquistas, mas também pelos desafios e conquistas que ainda virão.

 

07 – Como deve ser vista a interdição nos dias atuais, para que realmente seja um meio de proteção da pessoa com síndrome de Down e demais pessoas com deficiência?

 

A interdição não deve significar a morte civil da pessoa com deficiência. A partir da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência é necessário se observar que diversas disposições do nosso Código Civil a respeito da curatela estão incompatíveis, estão revogadas. É necessário que nós, operadores do direito, fiquemos atentos a essa questão, observando a Convenção que alterou antigas práticas. No nosso ordenamento jurídico a interdição parcial, introduzida a partir do Código Civil de 2002, é o instituto que mais se aproxima da salvaguarda prevista no artigo 12 da Convenção, que reconhece às pessoas com deficiência a capacidade legal e diz que os “apoios” ou “salvaguardas” devem ser proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa e sempre revistas. Na sentença, a pessoa a ser interditada, será considerada relativamente capaz para os atos da vida civil. A interdição parcial deve ser a regra. Conclamo os colegas a conhecerem o projeto do CNMP “Interdição parcial é mais legal” que integra a Ação Nacional em Defesa dos Direitos Fundamentais.

 

 

 

08 – O Código Penal prevê a criminalização ao ato sexual praticado com pessoa com deficiência mental (art. 217-A, § 1º). Como harmonizar essa previsão legal com a autonomia das pessoas com deficiência intelectual diante dos avanços conquistados no contexto social?

 

O abuso sexual de pessoas com deficiência é fato. O tema merece reflexão e cautela. Como mãe e Promotora de Justiça entendo que devemos ser bastante diligentes com a presunção desse dispositivo legal. Penso que devemos ter a sensibilidade e o cuidado necessários para verificar se houve realmente o dissenso da pessoa com deficiência para aquele ato. Na medida em que buscamos a autonomia e independência das pessoas com deficiência de um modo geral, não apenas as que têm síndrome de Down, elas também têm direito de desfrutar da sua sexualidade de uma forma sadia. Será mesmo que em função da diminuição da sua intelectualidade ou de enfermidade se deve concluir taxativamente que ocorreu estupro de vulnerável? É comum se dizer que as pessoas com deficiência intelectual têm uma sexualidade muito aflorada, mas o que se percebe é que não lhes é dada a oportunidade de desfrutar dessa sexualidade, em geral reprimida, daí a distorção nesse entendimento.  Entendo também que não se deve pregar a canalização da sexualidade dessas pessoas para o esporte, por exemplo, como já ouvi, como se o esporte ou qualquer outra atividade pudesse substituir essa necessidade humana. “O direito à diferença inclui o respeito à identidade pessoal e as escolhas”. “O que vale para todos deve valer também para as pessoas com deficiência.”

    

 FOTO: Luís Alberto/ arquivo pessoal 

 


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